"Certas dietas são simples. É só cortar açucar, frituras, massas, molhos, bebidas alcoólicas, pães, biscoitos e os pulsos."

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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Meio ambiente

Estou publicando uma carta que recebi pela net por um motivo: mea culpa.
Vivi na capital, SP, até 1993, quando vim para Rifaina de vez.
Eu desconhecia algumas realidades. Então sempre defendi ambientalistas (até extremistas em alguns casos). Achava exagero e preconceito a maneira como as medidas e teorias sobre meio ambiente eram comentados por aqui.
Hoje, conhecendo de perto o que se passa aqui com pessoas simples que trabalham de 4 da manhã até 4 da tarde para sobreviver e não perder o pouco que conseguiram ter e que são "perseguidas" pelos "florestais" e pelas políticas de meio ambiente, tenho que reconhecer que esta carta é realidade. Infelizmente, realidade.

Luis,
Quanto tempo.
Sou o Zé, seu colega de ginásio, que chegava sempre atrasado, pois a Kombi que pegava no ponto perto do sítio atrasava um pouco. Lembra, né, o do sapato sujo. A professora nunca entendeu que tinha de caminhar 4 km até o ponto da Kombi na ida e volta e o sapato sujava.
Lembra? Se não, sou o Zé com sono... hehe. A Kombi parava às onze da noite no ponto de volta, e com a caminhada ia dormi lá pela uma, e o pai precisava de ajuda para ordenhá as vaca às 5h30 toda manhã. Dava um sono. Agora lembra, né Luis?!
Pois é. Tô pensando em mudá ai com você.

Não que seja ruim o sítio, aqui é uma maravilha. Mato, passarinho, ar bom. Só que acho que tô estragando a vida de você Luis, e teus amigo ai na cidade. To vendo todo mundo falá que nóis da agricultura estamo destruindo o meio ambiente.
Veja só. O sitio do pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que pará de estuda) fica só a meia hora ai da Capital, e depois dos 4 km a pé, só 10 minuto da sede do município. Mas continuo sem luz porque os poste não podem passar por uma tal de APPA que criaram aqui.

A água vem do poço, uma maravilha, mas um homem veio e falo que tenho que faze uma outorga e paga uma taxa de uso, porque a água vai acabá. Se falô deve ser verdade.
Pra ajudá com as 12 vaca de leite (o pai foi, né ...) contratei o Juca, filho do vizinho, carteira assinada, salário mínimo, morava no fundo de casa, comia com a gente, tudo de bão. Mas também veio outro homem aqui, e falo que se o Juca fosse ordenhá as 5:30 tinha que recebê mais, e não podia trabalhá sábado e domingo (mas as vaca não param de fazê leite no fim de semana).

Também visitô a casinha dele, e disse que o beliche tava 2 cm menor do que devia, e a lâmpada (tenho gerador, não te contei !) estava em cima do fogão era do tipo que se esquentasse podia explodi (não entendi ?). A comida que nóis fazia junto tinha que faze parte do salário dele.
Bom, Luis tive que pedi pro Juca voltá pra casa, desempregado, mas protegido agora pelo tal homem. Só que acho que não deu certo, soube que foi preso na cidade roubando comida. Do tal homem que veio protegê ele, não sei se tava junto.
Na Capital também é assim né, Luis? Tua empregada vai pra uma casa boa toda noite, de carro, tranquila. Você não deixa ela morá nas tal favela, ou beira de rio, porque senão te multam ou o homem vai aí mandar você dar casa boa, e um montão de outras coisa. É tudo igual aí né?
Mas agora, eu e a Maria (lembra dela?, casei ) fazemo a ordenha as 5:30, levamo o leite de carroça até onde era o ponto da Kombi, e a cooperativa pega todo dia, se não chove. Se chove, perco o leite e dô pros porco.
Té que o Juca fez economia pra nóis, pois antes me sobrava só um salário por mês, e agora eu e Maria temos sobrado dois salário por mês. Melhorô.

Os porco não, pois também veio outro homem e disse que a distancia do Rio não podia ser 20 metro e tinha que derruba tudo e fazer a 30 metro. Também colocá umas coisa pra protege o Rio. Achei que ele tava certo e disse que ia fazê, e sozinho ia demorá uns trinta dia, só que mesmo assim ele me multô, e pra pagá vendi os porco e a pocilga, e fiquei só com as vaca. O promotor disse que desta vez por este crime não vai me prendê, e fez eu dá cesta básica pro orfanato.
O Luis, ai quando vocês sujam o Rio também paga multa né?
Agora a água do poço posso pagá, mas to preocupado com a água do Rio. Todo ele aqui deve ser como na tua cidade Luis, protegido, tem mato dos dois lado, as vaca não chegam nele, não tem erosão, a pocilga acabô ....

Só que algo tá errado, pois ele fede e a água é preta e já subi o Rio até a divisa da Capital, e ele vem todo sujo e fedendo aí da tua terra.
Mas vocês não fazem isto né Luis. Pois aqui a multa é grande, e dá prisão.

Cortá árvore então, vige. Tinha uma árvore grande que murchô e ia morre, então pedi pra eu tirá, aproveitá a madeira pois até podia cair em cima da casa. Como ninguém respondeu ai do escritório que fui, pedi na Capital (não tem aqui não), depois de uns 8 mes, quando a árvore morreu e tava apodrecendo, resolvi tirar, e veja Luis, no outro dia já tinha um fiscal aqui e levei uma multa. Acho que desta vez me prende.
Tô preocupado Luis, pois no radio deu que a nova Lei vai dá multa de 500,00 a 20.000,00 por hectare e por dia da propriedade que tenha algo errado por aqui. Calculei por 500,00 e vi que perco o sitio em uma semana. Então é melhor vendê, e ir morá onde todo mundo cuida da ecologia, pois não tem multa ai. Tem luz, carro, comida, rio limpo.

Olha, não quero fazê nada errado, só falei das coisa por ter certeza que a Lei é pra todos nois.
E vou morar com vc, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usá o dinheiro primeiro pra compra aquela coisa branca, a geladeira, que aqui no sitio eu encho com tudo que produzo na roça, no pomar, com as vaquinha, e aí na cidade, diz que é fácil, é só abri e a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nóis, os criminoso aqui da roça.
Até Luis.
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas não conte até eu vendê o sitio.

(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desiqual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)
* É engenheiro florestal, especialista em direito socioambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do IBDF/IBAMA 88/89, deputado desde 1989, detentor do 1º Prêmio Nacional de Ecologia.

6 comentários:

  1. Márcia, muito bom!
    Isso mostra que o interesse não é ambiental e sim $$$$
    Bjs querida e bom final de semana.

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  2. Oi Márcia, assim como você sou paulistana mas moro no interior há 10 anos e entendo seu ponto de vista. No fim, tudo se resume à falta de qualificação e esta à falta de condições para que as crianças carentes (como foi o Zé!) possam estudar - e para isto ter o ônibus, o material escolar, horas suficientes de sono, etc.
    É o que o Brasil precisa, qualificação - técnica primeiro - depois universitária.
    Um beijo grande

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  3. Captei tua mensagem amada mestra....você deu a deixa...não venha se queixar depois...kkk...pois vou começar e sabe deus quando vou parar...

    Já andei muito, já vi muito e tudo que vejo são injustiças e desmandos por todo lugar, vou enumerar para não me perder:
    1º caso - BR-116 - Regis Bittencurt - Vulgo rodovia da morte- o ano 1997- Obras de duplicação paralizadas em trecho próximo a Barra do Turvo-SP - motivo: um ninho de papagaios na única pedreira da região que abastecia a obra. A televisão até mostrou uma cena de uma pedreira lotada de papagaios, só que o curioso é que durante toda a obra, ninguém viu um papagaio sequer por ali e olha que já fazia um ano que estávamos por ali.
    2º caso - a mesma rodovia, outro trecho na serra do café (não está duplicado até hoje, mesmo em se tratando de um dos trechos mais perigosos da rodovia), motivo: a serra foi tombada e por isso a obra na região foi embargada.
    3º caso - quando morei em Brasília tomei conhecimento da história de um pai de família desesperado ao ver seus filhos passando fome, saiu para caçar e matou um anú (espécie de pássaro), como o crime é inafiançável, ele ficou um bom tempo preso, quanto aos seus filhos, creio que continuaram passando fome.
    4º caso - as quebradeiras de coco do Tocantins não possuem plantações de babaçú, elas vivem da coleta, ainda existe esse tipo de extrativismo, porém, como a maioria dos coqueirais estão cada vez mais nas mãos de latifundiários que proíbem a entrada em suas terras, elas estão ficando sem o ganha pão...

    E por ai vai....se eu continuar enumerando, não vou deixar espaço prá mais nenhum comentário....a realidade é essa...

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  4. Ai Márcia, lembra daquela história, só ladrão de galinhas que vai pra cadeia? Pois é, o Brasil precisava rever suas leis...muitas são ridículas!
    Beijinhos!

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  5. As vezes da um desanimo pensar que isso tudo eh nossa triste realidade. Sera que ainda veremos mudancas?!

    Beijos

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  6. me fez lembrar de uma carta, do Sr. Renato Aragão, 'solicitando' doação/ões para UNICEF....
    a resposta, resumida, muuuuuito resumida:
    dôo, mensalmente, 25% da minha renda familiar, para o governo, para que seja providenciado saúde, educação, ...
    e ainda tenho de pagar pelo plano de saúde particular, escola particular para os filhos,... pois o governo não me permite usar o serviço que ele oferece...

    E ainda temos de ouvir nosso pres da república dizer o que disse, para uma platéia inteirinha de 200.000 milhões de brasileiros... nem vou repetir... é triste demais...

    Beijinhos

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